Quando você nasce e passa sua vida numa cidade pequena
como a minha, se você não tiver uma personalidade forte, você se fode. Vivi
minha vida inteira num lugar onde a maioria das pessoas forma seu caráter através
da marca do tênis que usa. Aqui as pessoas vão te olhar uma primeira vez, e se
você não estiver se vestindo de acordo com o que é considerado convenientemente
bonito, você já não é mais alguém interessante. Dizem que aqui é a “capital da
amizade”, mas o nome mais adequado seria “capital das aparências”.
Sempre vivi aqui, com certa raiva e nojo da maioria das
pessoas, e isso é algo que eu realmente não consigo conter. Já são 17 anos que
ando por tais ruas, vendo as pessoas que se avaliam superiores às outras,
julgando quem é alguém e quem não é ninguém na escala de mais rico, mais
bonito, mais popular. A idiotice é tão descarada que o povo se senta à beira da
avenida todos os domingos para analisar os belos carros, as belas roupas. É
como um ritual de hipocrisia, que todos os cidadãos com a mentalidade de uma
formiga devem passar.
Ok, pode parecer muita raiva reprimida, mas é exatamente
isso que essa cidade faz. Ela reprime qualquer um que ao invés de agir e pensar
como todos os outros, age e pensa como quer. Tenho raiva mesmo. Depois de viver
num lugar como esse por tantos anos, quando você sai daqui e vai para uma
cidade de verdade, parece que tudo muda.
Incrível. É a palavra que uso para descrever aquela
sensação quase rara de tamanha liberdade, que faz você vibrar de alegria.
Aquela sensação de, finalmente, estar pisando num chão em que você pode ser
você. Aquela sensação de quando você fecha os olhos e sente aquela brisa gelada
batendo em seu rosto, e que mesmo poluída, faz você sentir que está no seu
lugar.
Ainda que eu nunca tenha me importado com olhares
desaprovadores, é maravilhoso andar por uma rua e as pessoas não ficarem
observando sua roupa, seu tênis, seu cabelo, para tirarem uma conclusão sobre
quem você é. É claro que em todo lugar vai ter gente boçal metida a superior,
mas tenho certeza que na maior parte é diferente, pelo simples fato de que as
pessoas abrem a mente, e não o contrário, como aqui.
A meta agora é pegar minha mochila e ir embora. Sair o
quanto antes daqui, o mais rápido possível. Para enfim poder colocar em prática
o verbo mais importante do modo indicativo sem conjugação em nenhum tempo verbal:
viver.