quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Velhas fotos que fizeram lembrar...

“Quando se é jovem, se fazem essas coisas”. Era o que constantemente dizia o pai. Mas a mãe, mais difícil de lidar, estava sempre pronta pra das uns puxões de orelha nas filhas.
 Afinal, tão tristemente havia construído sua vida, deixando épocas mal-acabadas para trás, deixando os sonhos se desmancharem ao longo da sua estrada. Tinha sido uma moça de família, do interior, não entendia as rebeldias, dessa juventude louca. Pra ela tudo aquilo era errado, mas porque nunca vivera a vida com um tantinho de insensatez sequer. Saiu da casa dos pais pra estudar com a irmã na cidade grande, tão cedo, não sabia ainda o que queria da sua vida. Mas sabia que queria ser alguém.
 Já o pai, totalmente o contrário, já havia aprontado de tudo, na sua época de mocidade. Era um rapaz namorador, e um pouquinho desatinado... Até preso já tinha sido, na cidadezinha em que nasceu, contava ele. Vivia rodando pela cidade, à procura das mais belas moças, em companhia de seus amigos caras-de-pau. Trabalhava na fábrica do pai, e sonhava em ganhar muito dinheiro pra viajar pelo Brasil inteirinho. Era um galanteador, do tipo mais romanesco, que cantava músicas do Roberto Carlos pras suas namoradas, e as levava para baixo das árvores no verão, para clamar suas poesias de amor.
 O acaso se encarregou de fazer essas duas almas distintas se encontrarem. Foi amor à primeira vista, contavam eles. Apaixonados, se casaram, tão rápido... Ela tinha 17 e ele 24. Era um lindo romance, os dois formavam o casal mais bonito, suas mãos quando se entrelaçavam, faziam juntar as almas tão apaixonadas, os corações tão cativados. Claro que não foi um mar de rosas. Tiveram tantos estorvos durante esse caminho, que fica difícil desconfiar de tal amor que sentiam um pelo outro.
 Tipicamente, a família dele não a aceitava. “É uma moça do interior, ignorante e mesquinha” – diziam as irmãs. Alienadas, a fizeram sofrer durante muito tempo, inventando boatos de que ela era uma “mulher da vida”. Tanto sofrimento, agüentou de boca fechada, aquela menina comportada. Não sabia como lidar com as lambisgóias das suas cunhadas. Mas agüentou, sem falar um pio, um dia as medíocres se cansariam de atormentá-los.
 Naturalmente, depois de alguns anos ela engravidou, e tiveram uma linda filha. Então decidiram se mudar de cidade, morar na própria casa, construir a própria vida juntos. Tanta coisa aconteceu, tanta coisa mudou. Era tudo diferente agora, mas continuava sendo bonito.
 Só que o tempo é uma coisa que passa muito rápido, e leva consigo todos os devaneios e as histórias... Depois de quase 30 anos o amor continuou ali intacto, mas enfraquecido. Formavam um casal tão bonito, esses dois. É o que todos dizem. Pena que o tempo passou e gerou tanta coisa ruim na vida dessas duas almas gêmeas.
 Hoje ambos são tão frios, tão rudes. O orgulho está no ar que respiram, tirando o lugar da paixão. Não existe mais romantismo, os dois são pessoas aborrecidas, cansadas. As discussões, todos os dias acontecem, mal sabem eles que até pras filhas isso causa um sofrimento enorme.
 Ele se tornou um homem machista, e difícil de se conviver. Coloca abobrinhas na própria cabeça, e não tem quem tire. Ela se tornou uma mulher arrogante, e ao mesmo tempo medrosa. Sua liberdade foi tirada, desde tão jovem. Deu tudo de si para esse homem, deu sua vida, deixou seus sonhos se esvaecerem, por causa desse amor.
 A bela moça de cabelos encaracolados e um sorriso tão singelo que transmitia todo seu encanto, agora era uma mulher calejada, com um coração tão partido quanto caquinhos de vidro. Raramente exibe aquele sorriso tão belo novamente. E o belo rapaz, galanteador e poeta, já não é mais o mesmo romântico. Hoje é um homem rude e orgulhoso, e que as vezes é até meio psicótico.
 Ele a ama, ela o ama. Mas construíram uma barreira tão grande no meio deles, que já não demonstram mais nada, a não ser rancor e raiva. Tão triste tal história tão bela ser destruída aos poucos, ser esquecida. Existem esperanças de que essa história tenha um final feliz, de que os dois vão estar juntos quando velhinhos, tomando seus chimarrões sentados la fora de manhazinha, observando a rua, os cachorros, as pessoas. Vão se xingar, mas logo esquecer. Vão se olhar nos olhos, sem raiva, sem rancor, sem mágoa. Vão saber que tudo valeu a pena, que o amor nunca deixou de existir.

 Ao olharem para aquelas fotos do casamento, algumas que ela rasgou em pedacinhos num dos momentos de raiva, mas as deixou guardadas, e outras inteiras, lembram-se de tudo aquilo, e deixam o coração amolecer por alguns instantes. E  eu aqui, rezo pra que esses corações frios voltem a se esquentar e amoleçam pra sempre.

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